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Cristina lutadora

Frederico Moraes | 1987

No catálogo de sua atual exposição no Centro Empresarial Rio, Cristina Canale dialoga com seu professor, John Nicholson, sobre seu processo criador. Ela começa dizendo que “tudo é muito misturado”, que ela trabalha com várias situações e ramificações. Surpreende-se mil vezes com as modificações que determinadas questões vão sofrendo durante o processo criador.

 

Esta indecisão ou insegurança, que não anula o vigor de sua pintura, acaba por instaurar um clima de verdadeira guerra entre a artista e a tela, "uma guerra entre o que eu queria ser e o que eu estou sendo". E para tocar para frente, ela precisa "criar uma postura agressiva com o trabalho".

 

Eis aí o roteiro de um artista jovem no momento de arranque de sua carreira. Cristina tem 25 anos, foi uma das participantes da mostra "Como vai você, geração 80?", arrancou um prêmio no último Salão Carioca e foi um dos destaques da coletiva "Novos novos".

 

Diante de suas cinco grandes telas em exposição, sinto este impasse, mas também a tentativa de superá-lo. Ou seja, tanto o seu depoimento quanto a sua pintura indicam que criar arte continua sendo um processo dolorido e difícil. Há, de fato, entre o artista e a tela, uma "luta corporal".

 

Na pintura de Cristina Canale convivem, nem sempre de modo pacífico, elementos construtivos, informais e figurativos. Os desenhos (ou croquis?) que ilustram o catálogo, e que não estão expostos, indicam, no seu vigor gráfico, uma apreensão da paisagem carioca e também, uma leitura dos construtivos históricos como Malevitch e Ad Reinhardt. É interessante observar, por exemplo, como a cruz malevitchiana, indicando a ambiguidade espacial, vai se transformando numa imagem recorrente de sua pintura, um fantasma plantado na paisagem, mas que também poderia ser apenas uma síntese geométrica de alguma arquitetura ou monumento e que, em sua pintura, ganhou um significado perturbador. De repente, eu me lembrei de Kiefer e de cemitérios.

 

Penso que Cristina Canale chegou atrasada a essa pintura "selvagem", dos neoexpressionistas alemães, mas, quem sabe, por isso mesmo, ela poderá realizar, acima dos modismos, uma pintura mais pessoal e verdadeira.

 

 

DE MORAES, Frederico. O Globo, 2º Caderno, abril 1987.

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