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A experiência da cor

Luiz Camillo Osorio | 2006

 

A pintura de Cristina Canale vem desde a década de 80 afirmando-se pela força de suas cores e pelo apreço ao ofício da pintura. Ofício do trabalho árduo no ateliê, junto às tintas e ao gesto do pintor na busca de um tempo próprio da percepção. A pintura resiste à velocidade e à urgência do mundo tecnológico. Resiste para fazer ver o que só se mostra no tempo. Não se trata de querer parar o tempo, nem de uma nostalgia pelo passado, pelo que já foi. Trata-se de se procurar outros tempos do olhar, que tragam consigo novas vibrações do mundo visível e do seu aparecer. 

 

Talvez seja esta premência de trazer o mundo de volta à pintura o que marque as obras recentes de Cristina Canale. Elas apostam na figuração sem recuperar um espaço figurativo onde a linha separa figura e fundo. O espaço é simultaneamente coeso e fluido. A figuração nasce de dentro da tinta, da carne expressiva da cor. O olhar do espectador não se prende na cena, mas nos campos de cor e na pulsação de pequenas células cromáticas que se espalham por toda a tela. A serenidade convive com a intensidade. 

 

O fato de estar radicada em Berlim há muitos anos acaba por mantê-la afastada do circuito brasileiro, mas sempre que aparece confirma a qualidade de sua pintura. Há muitas sintonias entre a sua paleta e a do expressionismo alemão, mais especificamente com Kirchner e seus campos de cor saturados e expansivos. É uma densidade, todavia, que não se irmana à angústia ou à melancolia, mas a uma energia vital, solar, mais mediterrânea do que nórdica.

 

A escala destas pinturas impressiona. A figura ganha o primeiro plano e está sendo projetada para fora. Neste aspecto é uma imagem que trabalha em sentido anti-perspectivo, vinda de dentro para fora da tela e não levando o olhar em direção a um ponto de fuga. O olhar do espectador ganha densidade e fluidez, assumindo uma materialidade que as imagens virtuais não têm. A pintura é uma reserva diante da manipulação desenfreada das coisas. Diante das pinturas de Cristina Canale estamos sempre à espera de uma deflagração do mundo enquanto cor.

 

 

 

OSORIO, Luiz Camillo. O Globo, 2º Caderno, abril 2006.

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