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Cristina Canale: Fiel à sua essência

Tereza de Arruda | 2002

Pude acompanhar nos últimos dez anos a evolução artística de Cristina Canale no seu atelier berlinense. Encontros esporádicos porém intensos e com objetivos concretos me fizeram deparar com um fenômeno: apesar dos meses consecutivos de inverno com céu cinzento e iluminação escassa, a pintura de Cristina Canale permaneceu reluzente, pois cores quentes e luz abastada continuaram a dominar suas telas. Esta característica pode ser proveniente de seu olhar distante e nostálgico deslumbrando e revendo a exuberância da paisagem brasileira ou mesmo o resultado de uma necessidade concreta de superar as cores reprimidas do cotidiano através de uma palheta de tons diversos.

 

Fato é que a artista se manteve fiel à sua essência sem tentar se camuflar ou adequar-se às novas tendências locais. Não podemos ignorar o fato de que a  Alemanha esteve nos últimos anos em um período de transição intenso levando-se em consideração os reajustes políticos, econômicos e sociais. Consequentemente a arte contemporânea alemã foi cúmplice desta situação lançando ou enterrando vários ícones, sejam eles crias do realismo social ou seus herdeiros como é o caso do atualmente consagrado Neo Rauch, jovem pintor de Leipzig, cuja obra incorpora vestígios de uma escola figurativa propagandista unida a características pop ou mesmo surreais de sua fantasia.

 

Enquanto isto Cristina Canale conservou suas cores tropicais inusitadas passando a diluí-las sem perder a intensidade e assim explorando mais o jogo claro/escuro e suas  transparências naturais. As linhas, traços e contornos passaram a dominar a representação em formas reduzidas contudo em proporções monumentais, como se fossem ampliações de detalhes de sua pintura característica da década de 80, abandonando porém a materialidade até então muito presente. As formas bastante orgânicas passam a respirar através de superfícies amplas de cores claras como que se estivessem suspensas. Este efeito enfatiza a composição provocando uma grande profundidade e leveza.  Surge aqui o ponto de partida para uma fase talvez mais introspectiva em que a representação orgânica cede espaço literalmente para a representação de interiores – tão amplos e coloridos como a vegetação de costume. O olhar do expectador é atraído por um volume ou espaço demarcado, sendo este geralmente um móvel como poltrona ou cadeira.

 

No momento a artista traz em um compêndio figurativo lúdico as experiências da última década e nos apresenta conforme sua descrição uma “pintura descomprometida” conectando o interior com o exterior.  Apesar da perspectiva não convencional enfocando situações diagonais têm-se uma harmonia na composição pela extensão e ampliação de interiores através de uma porta semi-aberta, a transparência do vidro ou mesmo pela existência de um mobiliário predestinado ao espaço externo. Esta diversidade é sintetizada em um mundo idílico protegido por muros ou levada a locais públicos como parques infantis, testemunhos da suposta inocência humana.  Cristina Canale transpõe às telas atuais uma junção feliz da “pintura descomprometida” com vestígios da materialidade de seu primórdio artístico, no qual a textura predominava ressaltando a densidade da natureza. A vegetação sutil representada por flores típicas de seu cenário habitual é retomada, porém cercada por um novo contexto arquitetônico que vem a envolver e proteger os valores pessoais.

 

 

DE ARRUDA, Tereza. Cat. exposição na galeria Anna Maria Niemeyer, Rio de Janeiro, 2002.

 

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