"...o pintor, durante sua operação, olha as coisas como cores, e as cores, como elementos de seus atos." Paul Valéry
Marco Veloso | 1995
Cristina Canale me pede um texto a respeito de um dos quadros que mostrará no Rio de Janeiro e em São Paulo. Sua última exposição no Rio foi em 1987, e em São Paulo em 1992.
Há bastante tempo, Cristina tem encontrado uma "saída" para seu trabalho como pintora profissional. Desde 1993 ela vive em Berlim e estuda na Academia de Düsseldorf, onde é orientanda do artista holandês Jan Dibbets. Ela é bolsista do D.A.A.D.
Na Alemanha, ela começou a desenvolver sobretudo exercícios com o aspecto mais propriamente de desenho e de composição da pintura.As imagens tornaram-se mais lineares e a profundidade mais leve, enriquecida e menos frequentemente “compacta”.
Ela considera a arte brasileira atual muito tímida no que se refere a gestos personalizados. Pergunta se é uma característica meramente contemporânea ou essencial ao contexto de nossa formação cultural.
Seu olho aguçou-se para o “modernismo alemão”. Dedica-se ao estudo da fotografia de Karl Bloßfeldt e diz que lá existe um gosto mais sofisticado para obras não propriamente “bonitas”.
Uma artista amiga minha observou que essas telas recentes trocaram a flor pela fruta, como tema dominante. As cores também estão mais orgânicas. Cristina diz-se satisfeita com estes efeitos.
Penso que as telas estão menos luminosas, porém melhor iluminadas. Há cores transparentes beirando estruturas que me fazem crer em uma vontade artística saudável.
O aspecto mais visível é o abandono da matéria como linguagem mais importante. A linha, segundo Cristina, tendeu a esta posição. O desenho que domina estas telas de Berlim e mesmo o gesto linear são menos acentos formais que linhas pessoais de criação da ilusão.
Em abril, Cristina enviou-me estas notas:” o que tem me interessado como solução é usar o contraste das linhas e dos planos para criar espaço”.
A ilusão da paisagem há muito faz parte da pintura de Cristina. A meio caminho entre os aspectos cognitivos e os traços de visualidade natural, sua arte não pretende questionar profundamente a pintura ou a representação. A ilusão, no entanto, pergunta ao pictórico puro pelo mundo que também o forma.
A composição acima ilustrada já é vista em “Brasilianas”, de 1992, exposta na última exposição em São Paulo, e reproduzida nos cartões do brazilian contemporary project. Um outro cartão, de 1994, figura-a de modo isolado. Nos quadros que serão vistos nas próximas exposições ela se apresenta transfigurada e abstrata. Ela se prova, outra vez, isto do ponto de vista formal pois estes movimentos de superação da mera contemplação da natureza há muito animam o núcleo da pintura de Cristina Canale.
VELOSO, Marco Henrique. Cat. exposição individual na Galeria São Paulo,
novembro 1995.